VÁRIOS OLHARES E SABERES: EFEITOS DO IMAGINÁRIO SOBRE LIDERANÇA NOS PROCEDIMENTOS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE LÍDERES ORGANIZACIONAIS.

Gilberto Braga Pereira

4 DA PESQUISA EMPÍRICA: DEPOIMENTO DE QUEM ESTEVE LÁ

 

...só por puro engenho e por ciência
Vêem do mundo os segredos escondidos...
Camões, Os Lusíadas, V, 17.

 
Este capítulo põe em evidência os procedimentos metodológicos e os resultados da pesquisa empírica realizada. O que se pretende é não só reconstruir o percurso trilhado, mas, sobretudo, dar relevância ao que foi experimentado pelos sujeitos sociais implicados. Conta-se com a memória reflexiva do leitor no sentido de estabelecer relações com o exposto até o momento. O propósito foi dar relevância às narrativas orais, de resto fica por conta de o leitor estabelecer relações e construir conclusões.

 

 Procedimentos Metodológicos

 

4.1.1  Abordagem e tipo de pesquisa

A pesquisa nas Ciências Sociais, segundo Godoy (1995), tem sido fortemente marcada por estudos que valorizam a adoção de métodos quantitativos na descrição e explicação dos fenômenos de seu interesse. Na atualidade, no entanto, é possível identificar, com clareza, uma outra forma de abordagem que, aos poucos, vem se instalando e firmando-se como uma alternativa de investigação global para a descoberta e compreensão do que se passa dentro e fora dos contextos organizacionais e sociais. Trata-se da pesquisa qualitativa, que só nas últimas décadas começou a ganhar um espaço reconhecido em outras áreas para além da sociologia e da antropologia, como a administração, a psicologia e a educação.
Para Goldenberg (1999, p. 14), “o que determina como trabalhar é o problema que se quer trabalhar; só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar”. É nessa afirmação que a escolha do método qualitativo se justifica. A natureza do estudo realizado só pode encontrar ressonância na perspectiva qualitativa, uma vez que se buscou a compreensão do fenômeno liderança a partir do imaginário dos sujeitos a ele expostos, o que se espera confirmar na argumentação que se segue.


A base da pesquisa realizada pautou-se em três premissas: (1) na de que o conceito de liderança deve ser entendido como fenômeno que integra os aspectos sociais, culturais e singulares dos sujeitos; (2) na de que a investigação e a ação devem vir juntas, ou seja, na de que a construção do conhecimento se dá na relação direta com a prática, conforme corroborado por Bleger (1984, p. 32): “a prática não é uma derivação subalterna da ciência, mas sim seu núcleo ou centro vital, e a investigação científica não tem lugar acima ou fora da prática, mas sim dentro do curso da mesma”; e, finalmente, (3) na de que cada vida pode ser vista como singular e universal, como uma expressão da história pessoal e social, representando um tempo, um lugar, um grupo (GOLDENBERG, 1999).


O tema representações imaginárias sobre liderança é imperativamente desafiador. Para responder à sua complexidade e abrangência, pressupôs-se a necessidade de dados suficientemente consistentes para a análise qualitativa. Desse modo, a partir de técnicas de pesquisa de campo (história oral em sua vertente temática ) associadas a amplo levantamento bibliográfico, chegou-se às informações demandadas.
A citação de Goldenberg (1999, p. 18) reproduzida a seguir afiança e reforça o argumento que justifica a escolha da abordagem qualitativa, sobretudo ao se considerar sua consonância com o tema da presente pesquisa:
Por meio de dois conceitos, Dirthey diferenciou o método das ciências naturais – erklaren  –, que busca generalizações e a descoberta de regularidades, do das ciências sociais – versthen –, que visa à compreensão interpretativa das experiências dos indivíduos dentro do contexto em que foram vivenciadas.
Também o interacionismo simbólico e a Escola de Chicago abriram caminho e representaram um outro viés, por considerarem que “[...] os atos sociais envolvem uma propriedade – o significado – que não está presente em outros setores do universo abarcados pelas ciências naturais” (GOLDENBERG, 1999, p. 31), afirmação esta que, segundo ela, é corroborada por Husserl, W. Dirthey e Max Weber.  Mais adiante, a autora acrescenta que a abordagem qualitativa em sua vertente fenomenológica permite atingir a essência do fenômeno e, sobretudo, analisá-lo da perspectiva daquele que viveu ou vive a situação concreta, aspectos coincidentes com o propósito desta pesquisa.


Mantendo a referência no objeto, o estudo caracterizou-se como uma  primeira incursão, enquadrando-se pois como exploratório e descritivo. No primeiro caso teve como fim principal desenvolver, esclarecer e compreender conceitos e idéias, para a formulação de abordagens mais condizentes com o desenvolvimento de estudos posteriores. A característica exploratória constituiu, portanto, sua primeira etapa, cumprindo a função de familiarizar o pesquisador com o assunto que se buscou investigar. Foi descritivo na medida em que pretendeu descrever a realidade como ela é, sem se preocupar em modificá-la.
4.1.2 Coleta dos dados


As narrativas orais foram gravadas em um intervalo de três meses e posteriormente transcritas, conferidas e submetidas à apreciação e aprovação integral de seus autores.
A obtenção de informações deu-se em dois momentos distintos, ainda que não rigidamente vistos em uma linha de tempo: no primeiro colheram-se as narrativas orais, apoiadas por roteiros específicos (ANEXO 1) que continham os tópicos e temas abordados. Estes últimos apresentavam um nível de padronização adequado às funções desempenhadas e às posições ocupadas pelos entrevistados (líderes ou profissionais de T&D), como pode ser constatado no ANEXO 1. Em linhas gerais, os roteiros abrangentes permitiram que fosse explorada, ao máximo, a representação imaginária do entrevistado sobre o fenômeno da liderança, circunscrito na geração a que pertence. Tal dinâmica sustentou-se na seguinte orientação de Meihy (2002, p. 131-132):
Nas entrevistas de história oral de vida, as perguntas devem ser amplas, sempre colocadas em grandes blocos, de forma indicativa dos grandes acontecimentos. [...] Os grandes blocos de perguntas devem ser divididos em três ou quatro partes, no máximo cinco.
É ainda  pertinente que se diga que o levantamento bibliográfico prévio serviu de suporte quando do trabalho de campo, pois que se usou de informações nele investigadas acerca de cada geração e de seu respectivo momento histórico, para trazer à memória dos narradores fatos importantes de cada época.
Seguindo a visão corrente de que
na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc.  (GOLDENBERG, 1999, p. 14),
a pesquisa foi desenvolvida através de procedimentos metodológicos próprios à história oral temática, com foco nos contextos e processos pelos quais ocorreu o desenvolvimento do imaginário sobre liderança, na revisão das expectativas quanto aos papéis a serem desempenhados pelos líderes e, particularmente, nas formas como a dinâmica cultural se expressou nos diversos sujeitos sociais.
A título de esclarecimento, uma importante distinção feita por Meihy (2002) categoriza pelo menos três vertentes que devem ser consideradas quando se utiliza a história oral de vida como estratégia de pesquisa. Primeiramente o autor descreve a história oral de vida como uma “[...] narrativa do conjunto da experiência de uma pessoa” (ibidem, p.130). Esse sentido remete, pois, a algumas modalidades, como narrativa biográfica, reconstituição de fragmentos narrativos das histórias de vida de outrem, história oral de família e histórias de vida de espécies sociais (profissão, gênero, classe e etnia). No parágrafo seguinte de seu texto, o autor completa: “há muito as histórias de vida têm chamado a atenção de pessoas preocupadas em entender a sociedade em seus efeitos íntimos e pessoais”.
A segunda categoria descrita pelo autor refere-se à história oral temática, modalidade adotada no presente estudo.  Para Meihy (2002, p. 145-146)


a história oral temática é quase sempre usada como técnica, pois freqüentemente articula diálogos com outros documentos. [...] Por partir de um assunto específico e previamente estabelecido, a história oral temática se compromete com o esclarecimento ou opinião do entrevistador sobre algum evento definido. [...] Nesse ramo da história oral, a hipótese de trabalho é testada com insistência e o recorte do tema deve ficar de tal maneira explícito que conste das perguntas a serem feitas ao colaborador.
Mesmo considerando que ela é narrativa de uma versão do fato, pretende-se que a história oral temática busque a verdade de quem presenciou um acontecimento ou que pelo menos dele tenha alguma versão discutível ou contestatória.
Meihy (2002) descreve a terceira vertente de história oral como a tradição oral, que trabalha “com a permanência dos mitos e visões de mundo de comunidades que têm valores filtrados por estruturas mentais asseguradas em referências do passado remoto” (ibidem, p. 148) e, diferentemente da história oral de vida e da história oral temática, percebe o grupo e o indivíduo de maneiras distintas, variando também os procedimentos de coleta dos testemunhos. Em alguns casos, conforme destaca o autor, a tradição oral ocupa-se da reconstrução histórica de grupos ágrafos ou sem história escrita.

 

4.2.1 Caracterização dos sujeitos da pesquisa

A população do estudo ficou circunscrita dentro de uma perspectiva geracional. Os sujeitos selecionados enquadram-se numa configuração não-probabilística, compondo-se de um conjunto de aproximadamente quatro de cada geração, selecionados entre aqueles que ocupam ou ocuparam posição de liderança e profissionais de T&D, totalizando doze depoentes . A fim de melhor caracterizar o perfil do conjunto pesquisado, os sujeitos foram categorizados, do ponto de vista da posição ocupada, em líderes e profissionais de T&D (QUADRO 8).
Como já mencionado, colheram-se depoimentos de sujeitos, dentre as três gerações, que ocuparam ou ocupam posição de liderança, bem como de profissionais implicados com o desenvolvimento de líderes.
Oportunamente, a partir dos dados do QUADRO 8, serão apresentadas algumas considerações que não se pretende sejam suficientes para que se façam generalizações, mas que são informações importantes para a compreensão do imaginário geracional sobre liderança.


QUADRO 8 caracteriza uma evidente concentração no grau de instrução superior, além de indicar que, na população, os sujeitos da Geração Silenciosa foram os que se inseriram mais cedo no mercado de trabalho – idade média em torno dos 17 anos. É também nessa geração que se pode observar heterogeneidade quanto à escolarização. No ranking da idade média de inserção no mercado de trabalho seguem a Geração X, em torno dos 20 anos,e a Geração Baby Boom, em torno dos 24 anos. O ingresso na atividade profissional por parte de dois sujeitos da Geração X e de dois da Geração Baby Boom coincidiu, aproximadamente, com o ano em que concluíram o 3º Grau. O  fato de somente entre os indivíduos que compõem a Geração Silenciosa não ter observado tal ocorrência impõe-se com alta representatividade, haja vista que grande parte dos depoentes aponta essa variável como a de maior relevância para a escolha de líderes, a partir dos anos 1980. Tal aspecto encontra confirmação em dados de outros quadros, apresentados mais adiante, várias falas corroboram-no, dentre as quais destaca-se a seguinte:
Acontece que na minha época o que valia mais era a prática... mais a prática, a convivência, aquilo que você ia aprendendo dentro da própria firma. Agora, a de hoje já não. A de hoje já é toda estudo e não vai pra  frente nada. A substituição de técnicos por engenheiros, aquela coisa toda que tá acontecendo. Na minha  época, no final da minha época já começou a acontecer. Os técnicos, as pessoas que tinham conhecimento técnico são trocados, substituídos por alguém que tem estudo (NM/Silenciosa-Líder).
Para essa geração grande peso era dado à experiência, ao saber fazer, e por isso, na ausência da formação acadêmica, os sujeitos tinham de percorrer uma trajetória diversa de carreira. Pelo menos é o que se pode depreender quando se ouve que:
Mas o que eu vejo hoje é que houve uma mudança muito grande de comportamento. Veja só. Na minha época, você tinha um curso, bastava ter o ginasial, que você tinha um mercado. A experiência tinha um valor fundamental. Você é experiente, você conhece, você está comigo. Mas, no decorrer desse período, dessa minha época até o meio do caminho, começaram a surgir as faculdades – embora proliferaram demais -, mas já começaram a exigir das pessoas um melhor preparo. Começou a exigir que as pessoas tivessem um conhecimento de língua, que tivessem feito uma ou duas viagens ao exterior... (LP/Silenciosa–Líder).
Ainda que não haja uma diferenciação notória, as gerações Silenciosa e Baby Boom chegaram ao poder, à posição de liderança, um pouco mais tarde (por volta dos 28 anos ou 29 a), quando comparadas à Geração X, que o fez, em média, aos 24 anos. Não é possível concluir que isso seja uma tendência, mas a lógica conduz a algumas conjecturas, como por exemplo à de que os processos de ascensão a posições de coordenação ou liderança demandavam mais tempo do que na atualidade, o que talvez possa encontrar justificativa no seguinte trecho de entrevista:
Então... eu entrei na [nome da empresa] no dia 01 de fevereiro de 1960 e permaneci até 63 como aprendiz. De 63 até 79 permaneci como mecânico de máquinas. Porque lá também, você ficava como aprendiz de mecânico muitas fases, até passar a especialista. É... não, a [nome da empresa] exigia bastante isso aí. [...] Então... até chegar o grau máximo lá aprimorava mesmo (NM/Silenciosa–Líder)
Outro aspecto a ser levado em conta, mesmo que de forma não conclusiva, refere-se ao fato de que a dedicação da geração mais nova à formação acadêmica por um período maior tem contribuído, dentre outros fatores, para que se abrevie o intervalo de tempo entre o ingresso no mercado e a promoção a cargos de liderança. Esse pressuposto sustenta-se na consideração de que vários sujeitos, de todas as gerações, apontaram essa variável como um valor nos dias atuais, pois que assegura um nível de capacitação maior, conforme se verifica em depoimentos desta natureza:
E outra coisa que eu vejo: o profissional que está formando hoje no mercado, o nível de exigência é muito grande. Ele tem que ter uma alta especialização, capacitação muito grande, por exemplo, informática. Ficou mais competitivo. Eu diria que ficou mais competitivo. (S/Silenciosa–T&D).
Por outro lado, ao se analisar os dados relativos aos profissionais de T&D, depreende-se que também eles chegaram muito jovens ao mercado de trabalho no caso das três gerações, com uma diferenciação mais evidente entre a Geração Silenciosa e as outras duas. Estas últimas, entre si, não apresentaram uma discrepância representativa nos dados colhidos.
Ao contrário, ao se observar com mais cuidado as idades em que esses profissionais assumiram a função de preparar líderes, vê-se que há um decréscimo relativo entre as gerações Silenciosa, Baby Boom e X, já que respectivamente e em média aproximada, eles o fizeram aos 30, 25 e 24 anos.
Os demais dados – ramo de atividade das empresas e cargos inicial e final ocupados –não revelaram particularidades dignas de nota na análise comparativa, a não ser a de que a geração em uma faixa etária mais avançada já chegou, obviamente, a posições de maior magnitude dentro das organizações.


CAMÕES, L. Os Lusíadas, V, 17.apud Medeiros (1999, p. 60). A autora não inclui a referenciação completa e normalizada da obra citada.

A história oral temática utiliza-se de narrativas correspondentes ao tema que se está investigando. Segundo Meihy (2002, p. 145-146), “a história oral temática é a que mais se aproxima das soluções comuns e tradicionais de apresentação dos trabalhos analíticos em diferentes áreas do conhecimento acadêmico. [...] Detalhes da história pessoal do narrador interessam apenas na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática central”.

Termo criado por Blumer, em 1937, e sistematizado em sua obra Symbolic interactionism, perspective and method, em que destaca a importância do indivíduo como intérprete do mundo e o uso de métodos de pesquisa que enfocam os pontos de vista dos sujeitos sociais (GOLDENBERG, 1999, p. 26-27).

Para maiores detalhes sugere-se consulta a Goldenberg (1999) que discorre sobre a formação e o desenvolvimento das pesquisas qualitativas em Ciências Sociais realizadas pela Escola de Chicago. 

Conforme salienta Meihy (2002, p.123), a definição do número de depoentes “[...] deve obedecer a uma espécie de ‘lei dos rendimentos decrescentes’ [...] e, portanto, em vinculação direta com os propósitos de pesquisa, mas flexível o bastante para respeitar a idéia de que em história oral todos os depoimentos são válidos desde que essenciais (em utilidade e aproveitamento) ao projeto em questão”.

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